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domingo, 15 de novembro de 2009

A ‘sperança, como um fósforo inda aceso

A ‘sperança, como um fósforo inda aceso

A ‘sperança, como um fósforo inda aceso,
Deixei no chão, e entardeceu no chão ileso.
A falha social do meu destino
Reconheci, como um mendigo preso.

Cada dia me traz com que ‘sperar
O que dia nenhum poderá dar.
Cada dia me cansa de Esperança...
Mas viver é ‘sperar e se cansar.

O prometido nunca será dado
Porque no prometer cumpriu-se o fado.
O que se espera, se a esperança e gosto,
Gastou-se no esperá-lo, e está acabado.

Quanta ache vingança contra o fado
Nem deu o verso que a dissesse, e o dado
Rolou da mesa abaixo, oculta a conta.
Nem o buscou o jogador cansado.

Fernando Pessoa
9.11.1928

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Poema-orelha

Poema-orelha

Esta é a orelha do livro
por onde o poeta escuta
se delem falam mal
ou se o amam.
Uma orelha ou uma boca
sequiosa de palavras?
São oito livros velhos
e mais um livro novo
de um poeta ainda mais velho
que a vida viveu
e contudo provoca
a viver sempre e nunca.
Oito livros que o tempo
empurrou para longe
de mim
mais um livro sem tempo
em que o poeta se contempla
e se diz boa-tarde
(ensaio de bom-noite,
variante de bom-dia,
que tudo é o vasto dia
em seus compartimentos
nem sempre respiráveis
e todos habitados
enfim.)
Não me leias se buscas
flamante novidade
ou sopro de Camões.
Aquilo que revelo
e o mais que segue oculto
em vítreos alçapões
são notícias humanas,
simples estar-no-mundo,
e brincos de palavra,
um não-estar-estando,
mas que tal jeito urdidos
o jogo e a confissão
que nem ditongo eu mesmo
o vivido e o inventado.
Tudo vivido? Nada.
Nada vivido? Tudo.
A orelha pouco explica
de cuidados terrenos;
e a poesia mais rica
é um sinal de menos.
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